Dezembro vermelho: entenda como o preconceito a pessoas soropositivas ainda é uma barreira na luta contra o HIV

31 de dezembro de 2022

Embora a evolução dos tratamentos hoje permita aos HIV positivos uma vida normal e sem riscos, sorofobia ainda é marcante na sociedade

Na década de 1980 o mundo se viu diante do risco de um vírus desconhecido, do qual não se tinha muita informação, com grande número de infecções em populações na época marginalizadas, e sem nenhum sinal de cura. Quem era diagnosticado com ele tinha uma sentença de morte, mais cedo ou mais tarde. Com milhões de pessoas infectadas e mortas – muitas vezes em situação degradante – e protestos de movimentos sociais e da sociedade civil, os governos se viram obrigados a reagir, mas o preconceito e o conservadorismo distanciavam a população da prevenção e tratamentos.

Hoje esse vírus não foi erradicado, e ainda não há cura para ele. Infectando quase 40 milhões de pessoas no mundo, ele ainda é responsável por centenas de milhares de mortes anualmente. No entanto, há tratamentos altamente eficazes que não só oferecem melhora na qualidade de vida das pessoas diagnosticadas, como quando respeitado com rigor afasta a possibilidade de piora e morte. Pessoas que vivem com o vírus podem ter uma vida normal, com uma rotina digna, correr atrás dos seus sonhos e amar quem desejam amar. Infelizmente, apesar do avanço, o preconceito e o conservadorismo perduram, e a sociedade ainda não se reconciliou totalmente com quem vive com o HIV.

Ter HIV em 2022 não significa mais abrir mão de uma boa vida. Com tratamento e acompanhamento disponíveis pelo SUS, pessoas soropositivas vivem hoje com níveis baixíssimos do vírus, muitas vezes indetectável. As medicações disponíveis gratuitamente são altamente eficientes e não apresentam efeitos colaterais significativos. Com o HIV indetectável, pessoas soropositivas também podem ser intransmissíveis, terem vida sexual ativa – com todos os cuidados preventivos – e terem relacionamentos estáveis com pessoas soronegativas. Casais com pessoas com HIV ou sorodiscordantes podem hoje ter filhos soronegativos. 

No entanto, de acordo com o Índice de Estigma em relação às Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Brasil, 64,1% dos brasileiros soropositivos já sofreram algum tipo de preconceito por conta de sua condição sorológica. Esses resultados não são diferentes em locais tradicionalmente mais progressistas. Uma pesquisa realizada pela ONG britânica Terrence Higgins Trust identificou que no Reino Unido cerca de 74% das pessoas que vivem com HIV no país já sofreram ao menos alguma situação de preconceito, e cerca de 86% acreditam que a maioria da população não sabe a diferença entre HIV e AIDS.

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Vivendo com o HIV

Algo que há 3 ou 4 décadas atrás era inimaginável, hoje é uma realidade possível. Enquanto os mais diversos estudos sobre o HIV ainda não conseguiram encontrar a cura, outras pesquisas focaram em melhorar a qualidade de vida das pessoas infectadas, e alcançaram esse objetivo com bastante sucesso.

Tudo começa com um teste. Rápido, fácil e acessível gratuitamente pelo SUS. Também há modelos disponíveis em farmácias em todo o país. Após isso, caso seja confirmado o diagnóstico, a pessoa terá todo o apoio também pelo Sistema Único de Saúde, incluindo o acompanhamento psicológico. Recebendo a devida medicação, a pessoa soropositiva terá acompanhamento constante de sua saúde com exames, e o objetivo será fazer com que a carga viral seja indetectável, fazendo com que se torne intransmissível e também evite um evolução para a AIDS, que é quando a carga viral é alta e as complicações comprometem o sistema imunológico, podendo levar a morte.

Até aqui há dois destaques: existe uma grande diferença entre ter o HIV e ter AIDS. Quando há o devido diagnóstico e acompanhamento, a pessoa dificilmente terá complicações passíveis para um quadro de AIDS. Outro ponto é que nada disso é possível sem o devido diagnóstico, de preferência sem ter evoluído ainda para um quadro de AIDS, por isso a importância de se testar frequentemente. 

A partir do diagnóstico e tratamento, fazendo o devido acompanhamento e cumprindo os cuidados médicos com rigor, a pessoa soropositiva tem plenas condições de viver com qualidade de vida como qualquer outra pessoa soronegativa. Nesse sentido, é importante também ter o apoio da família e amigos, e o devido acompanhamento psicológico para enfrentar possíveis adversidades e preconceitos. 

É compreendendo que uma pessoa soropositiva tem hoje condições de viver com bem-estar e que não apresenta riscos de transmissão, é que se faz necessário reforçar a importância do apoio a essas pessoas, e que a sorofobia é completamente injustificada e pode gerar graves prejuízos às pessoas vivendo com HIV. 

O estigma

Se do ponto de vista médico, o HIV, quando bem tratado, não apresenta riscos, o estigma do vírus atrapalha muito a vida de quem vive nessa situação sorológica. De acordo com o Índice de Estigma em relação às Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Brasil, cerca de 46,3% das pessoas com HIV no país dizem já terem sido afetadas por comentários discriminatórios ou especulativos, sendo que para 41% delas esses comentários vieram de dentro da família. 

A pesquisa também aponta que 25,3% delas dizem ter sido alvo de assédio verbal, e 19,6% já perderam renda ou emprego por serem soropositivas. Exatamente por esse estigma, para 81% dos entrevistados ainda é muito difícil revelar seu estado sorológico, e 80,4% revela que só se abre quanto à condição com parceiros fixos. 

Todo preconceito é, por definição, algo injustificável. Mas a sorofobia tida contra os portadores do HIV não faz sentido nem do ponto de vista médico, já que a transmissão do vírus não acontece por meio de convívio social, e a maioria dos portadores hoje não são capazes de transmitir o vírus. 

É notório pelos ativistas da causa que grande parte desse estigma é herança do pânico moral causado pela doença nos anos 1980 e 1990, reforçados por campanhas de prevenção com temáticas alarmistas e trágicas, sem se importarem com os portadores da doença. Por ter se espalhado, de início, em populacoes marginalizadas, como a comunidade LGBTQIAP+, negros e dependentes químicos, a doença ganhou um ar de castigo, como se fosse uma de espécie de punição divina para aqueles que não faziam parte da nata da sociedade.

O preconceito era tão extremo que, com poucas informações e movidos pelo medo e a discriminação, profissionais de saúde se negavam a tratar pessoas com AIDS, isolando-as em alas separadas nos hospitais, negando cuidado básicos e até mesmo deixando alimentos no chão ou para serem buscados do lado de fora das alas.

Outra questão que também influenciou na estigmatização da doença diz respeito exatamente a ser uma doença sexualmente transmissível, que apareceu no meio de uma revolução sexual condenada por grupos religiosos e setores conservadores da sociedade. Pegando carona no estigma de uma doença tão dificil, grupos conservadores também se viraram contra a comunidade LGBTQIAP+ e profissionais do sexo, elevando o caráter discriminatório da sociedade contra esses setores da população. 

Aos poucos, os ativistas conseguiram reverter parte dessa história, conseguindo importantes passos como investimentos pesados em pesquisa, políticas públicas de prevenção e combate à doença e campanhas menos estigmatizadas. Porém, o medo que se criou em torno do HIV ainda persiste na sociedade, prejudicando a prevenção e tratamento.

É relevante entender que, assim como outras condições médicas, o preconceito não colabora em nada para o quadro de quem convive com a doença. O medo deve sempre dar lugar a informação, o cuidado e apoio. Além disso, é importante lembrar que os soropositivos são pessoas que merecem viver felizes, com integridade física e psicológica. 

Como qualquer assunto relacionado à saúde, deve-se lembrar também que essa é uma questão que deve sempre ser levantada quando a pessoa deseja, e que comentários e insultos podem prejudicar a saúde mental dessas pessoas. 

A partir dessas reflexões e informações, é possível contribuir para que a vida desse grupo seja melhor, e que o vírus não limite sua integração social. 

Prevenção ainda é a melhor escolha

Se viver com HIV não é mais uma sentença de morte, não se infectar ainda é a melhor opção. Por isso, é necessário sempre estar atento aos métodos de prevenção, como uso de preservativos, não compartilhar agulhas ou outros objetos cortantes, e se testar frequentemente. Hoje também existe a profilaxia pré-exposição (PrEP), conjunto de medicações que podem evitar ao máximo o contágio pelo vírus, e inclusive pode ser distribuído gratuitamente pelo SUS dependendo do grupo social ou região do país. 

O SUS também tem hoje um protocolo para pessoas que foram expostas a relações sexuais desprotegidas, incluindo vitimas de violencia sexual, com a distribuição da profilaxia pós-exposição (PEP). Vale lembrar que é preciso, para isso, procurar urgentemente os profissionais de saúde. Quanto mais rápido se inicia a medicação, menor a possibilidade de se infectar com o vírus.

Desde o início da epidemia, o HIV já matou aproximadamente 35 milhões de pessoas. Das 38 milhões de pessoas que vivem com HIV hoje, cerca de 6 milhões não sabem que estão infectadas. É tendo foco na prevenção, testagem, tratamento e educação sobre o vírus que poderemos vencer a luta contra o patógeno, revertendo a epidemia. 

Esse trabalho de prevenção é acompanhado de perto pela enfermeira e coordenadora do curso de Enfermagem da UniBRASÍLIA, Isla Cherlla da Silva Brito. De acordo com ela, na população jovem da cidade de São Sebastião (DF), onde atua, há muitos casos de Sífilis. Assim, nas ações sociais realizadas com alunos do curso, o foco maior é na realização de testes rápidos de Sífilis, Hepatite e HIV. Em caso de resultado positivo, os pacientes são encaminhados para uma unidade básica de saúde específica. 

Para a docente, com o crescimento do contágio das doenças sexualmente transmissíveis, especialmente entre as pessoas mais jovens, investir em ações de prevenção e diagnósticos é fundamental. Como professora, ela também vê a participação dos alunos em eventos dessa natureza como de grande importância. 

“Inserir o aluno nessas campanhas, é fundamental para dispersar o pensamento crítico, para alinhar conteúdos ministrados em sala com a prática, e isso é maravilhoso”, argumenta. 

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